domingo, abril 30, 2006

Bolso sociológico

Deus do céu, são cinco e quinze e o que me sobrou desta noite? Tenho dois bilhetes manuscritos no meu bolso sociológico, cheiro de tabaco por todo o corpo e um queimado de cigarro na mão esquerda. Vejo o reflexo de meu cabelo desgrenhado no monitor. Tenho que confessar: escrevi esta última frase antes, com esferográfica em uma folha A4, por medo de esquecê-la enquanto o computador ligava. Que bela merda de frase pra não se esquecer.

Foi mais uma daquelas noites inusitadas. Quase me esqueci. Tenho o telefone de uma mulher que nunca havia visto antes anotado em uma lauda que me serve de agenda, guardada na carteira. A letra é tremula, mas vou compreender o que escrevi.

A única coisa certa agora é que estou tão chapado que não consigo escrever direito.

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Merda, ainda ontem vomitei a porcaria daquele sanduíche de pit-dog, os pedaços saíram diluídos na Fanta laranja. Não deveria ter ido escovar os dentes.

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Os dentes de Sara parecem canjiquinhas. Mas os seus seios compensam qualquer falha em sua boca – que não é assim tão terrível. São volumosos, brancos e lisos, lascivos no decote, pedindo beijos suculentos. Pena que não lambi seus mamilos, que não os acolhi inteiros em minhas palmas. Ela realmente valia a pena.

Sara estava tão desejosa que tentou por tudo convencer Soraia, a mais irritante delas, a acompanhá-la em algo que em sua cabeça iminentemente estava por acontecer. As duas viajariam na manhã seguinte. Soraia não queria dormir na casa da amiga por conta da mala ainda por arrumar e vasilhas sujas na pia. “Eu sou biomédica, Sara! Imagina as bactérias se multiplicando na minha pia!” Grande merda. E se tivesse um defunto sangrando na sala! Grande merda. Devia se preocupar mais com os poucos neurônios decrépitos em sua mente piegas de estudante de biomedicina em alguma faculdade particular.

Às outras da mesa não dei atenção.

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Os bilhetes estão aqui bem guardados dentro de um breviário de conjugação verbal. Vou revê-los agora, depois de semanas. Acho que esse tempo todo vai fazer bem para meus julgamentos.

A letra é feminina, arredondada e bonita se levarmos em consideração que ela estava bêbada. Todas elas naquela mesa de solitárias a procura de sexo já tinham se excedido na bebida. Depois descobri que era da mão de Soraia a letra. “Quem tiver solteiro levanta a mão! Isso é exclusivo p/ vcs da mesa!!!” Que bela merda de frase essa última. O que ela achou que faríamos? Sair pelo boteco lotado perguntando se alguém estava solteiro querendo mulheres sedentas que mandam bilhetes?

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Da mesa ao lado elas provavelmente ouviram nossas conversas esdrúxulas e escatológicas regadas à cachaça e muitos copos de cerveja. “Onde foi o lugar mais estranho que você deu uma trepada?” Sobre uma mesa da faculdade, durante o intervalo. No sofá de couro de uma boate, um belo espumoso. As escadas de edifícios foram campeãs. A popularidade acabou por lhe tirar a estranheza, mas não o prazer e o perigo.

Ninguém ergueu o braço. Continuamos com as excentricidades sexuais em nossa conversa. Cinco homens decidindo o que escrever no bilhete de resposta que o garçom levaria de volta às sedentas. “Sim, estamos solteiros se vocês quiserem trepar.” “Não, isso não, porra!” “Sim, se vocês tiverem os peitos grandes!” “Não, caralho!”

Acabou que a resposta foi simples: “Exclusivamente nessa mesa, estamos todos de braços erguidos.”

Logo veio outro manuscrito. A letra é da mesma infeliz. Apenas mais bêbada que no primeiro bilhete. “Pelas ‘regras’ da boa educação, estamos abertas ao diálogo!!! Por enquanto, é isso!!!” E que tanto de exclamações; será pelo seu formato fálico? E que porra de grifo é esse em “regras”? Na verdade, estavam abertas a muito mais coisas que apenas ao diálogo.

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Como as coisas parecem ser melhores com o álcool na cabeça! A abordagem foi feita torcendo o pescoço por cima do ombro direito. O que foi dito, nem mesmo ele soube dizer: era muito etanol no coco para se recordar de uma frase provavelmente absurda, talvez ridícula.

Me lembro de pouca coisa do que conversamos. O mito de Narciso (não sei de onde isso surgiu), internet, heavy metal. Homeopatia e urinoterapia. “Você já bebeu sua urina?”, perguntou Soraia. “Não. O máximo que fiz foi mijar no meu próprio pé enquanto tomava banho.”
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Sara queria por tudo uma aventura que acabou não acontecendo por conta de Soraia, que negou fogo. Pelas conversas, havia acabado de tomar de um homem um pé nos fundilhos, que agora ansiavam por uma saborosa e quente chinelagem.

Já sem o álcool na cabeça, depois de semanas, depois de raciocinar, não as encararíamos. Só Sara – essa todos os cinco ainda desejam.
John Howell