Aqueles olhos esbugalhados carregavam a mais pura sinceridade. Não havia verdade maior que as palavras que explodiram dos pulmões socados de Joaldo Soares Ovídio, 25. O grito não cabia em seus lábios retorcidos; escapuliu tão espontaneamente que me parece que ele nem percebeu o que dizia: “Ai, meu Deus!”
As mãos algemadas para trás, os joelhos e o queixo no chão e o rosto vermelho. As artérias do pescoço estufadas, o sangue faltando vazar-lhe pelas orelhas. O jovem assaltante, enquanto dizia suas palavras, olhava para cima como se visse uma revelação no céu. O que ele sentia caído no estacionamento do 1º Ciops de Goiânia era a dor extrema emanando de suas tripas. Escorraçado como um cão pulguento entre seis pares de coturnos negros que riam sem parar, completamente fodido e humilhado. Qualquer monte de merda pisada era melhor que ele.
“Desencosta daí, se você arranhar a viatura te parto no meio”, ouviu o cabisbaixo assaltante de um dos policiais do Batalhão de Choque da PM minutos antes do trovão cortar 80 centímetros de ar e explodir em sua barriga. “Olha só, pintura novinha!”, justificou em voz alta o milico enquanto Joaldo afastava os pulsos algemados da lataria da Blazer camuflada.
O barulho foi surpreendentemente alto e seco: “Tou!”. Pensei que era a porta traseira do camburão sendo batida com violência desnecessária por um dos dez, doze militares que prenderam Joaldo e o comparsa, Wanderson Cândido Coelho, 21. Mas não; o grunhido gutural do assaltante amador causou-me confusão. “Que merda é essa?” Só quando o cabra ergueu os olhos estatelados ao firmamento percebi que a explosão era de um único e certeiro soco em seu bucho.
A estratégia deles é interessante. Joaldo em pé e os milicos em volta. Provavelmente xingam, mas sem elevar o tom de voz. Dirigem-se descontraídos ao preso a ponto dele ficar relaxado, soltar os músculos tensionados. De repente, o golpe rápido que não dá chance nem de pedir pra morrer antes. Eu pegava informações com o do mau hálito, que também parou para assistir Joaldo se contorcendo no chão. Ele tinha mais estrelas no ombro que os outros; por isso o gordinho foi lá e cochichou em seu ouvido. E que segredo!
Gordinho saiu. O do bafo abanou o indicador pra rodinha que cercava Joaldo, o assaltante já de volta à mesma posição de antes do soco: em pé, de costa para a porta traseira fechada do camburão, recebendo ordem pra olhar pro chão. Imediatamente saiu do grupo o autor do murro, lento como um armário num estacionamento de delegacia.
“Toma cuidado, se não você vai assinar”, disse o do bafo.
O cara não pensou muito: “Vou assinar é no corpo dele.” E voltou sem ser dispensado pro lado de Joaldo, o hiena rindo: “he he he he!”.
***
Joaldo transfixou com disparo de revólver 38 o estoque adiposo na barriga do cardiologista do Hospital de Urgências de Goiânia Ivon da Cunha Bastos Filho, 59, por volta de 12h15 do dia 8 de abril de 2006. Wanderson era o homem no guidão da CG Titan de placa dobrada usada na abordagem. O médico sacara R$ 1,8 mil da Caixa Econômica da Avenida Independência com a Rua 74, Centro. Vacilão, resolveu voltar caminhando solitário para casa, a 800 metros da agência. Não ficou sem a grana, mas deve ter melado.
Joaldo e Wanderson foram tão cagados de merda que os policiais que os prenderam almoçavam em restaurante a 400 metros do local em que resolveram abordar o médico. O tiro chamou a atenção dos milicos, que deixaram o frango frito no prato para abrir o apetite no meio da rua.