quarta-feira, janeiro 03, 2007

Reação dos tecidos

Para mim era mais que uma necessidade irremediável, uma obrigação. Saí rápido do quarto, cortei a sala e a cozinha e de lá direto pro carro. Completamente nu, atravessei os cômodos segurando uma mala de roupa suja. A gritaria fez minha mulher, que assistia TV, olhar para trás e me perceber apenas como vulto. No susto, mal perguntou onde eu ia. Não respondi. Dei um jeito de sair de casa sem que desse tempo dela vir atrás.

É verdade que meia hora antes eu tomava losna com jupito no quarto, enquanto ela se envolvia com a novela. Mas não foi o efeito entorpecente que me fez ouvir a vozinha sedosa que saiu do monte de roupa suja no canto da parede. Me envaideci pelo alto nível da lombeira, mas juro que não foi esse o motivo do absurdo: aquele bolo de trapo pronunciava palavras com muita clareza e bom som. Vi perfeitamente quando a gola de uma camiseta estremeceu a costura feito lábios hesitantes, e em seguida sussurrou, me convidando para um diálogo irrecusável.

– Um dia ainda vejo sua mulher aqui, dispensada, suja, no meio da gente.

Todas as peças sabiam muito da minha intimidade. Afinal, haviam passado horas em meu corpo, tinham meu cheiro, às vezes os meus contornos. Eram parte da minha aparência e naquele momento sentiam mais que simples desprezo.

– E certamente não a agradaria me encontrar com esse restolho de hormônio impostor, daquela bisca que teve contigo anteontem, lembra?, ameaçou uma cueca imunda e traidora.

A lombeira agora era um temporal que se dissipa com o sol escaldante. Me dei conta de que aquilo realmente acontecia e não tive como escapar da conversa contundente e ameaçadora.

– Falem baixo, pelo amor de Deus!

Mangas, colarinhos e botões se ouriçaram. Alguns riam, outros se indignavam. A maldita camisa azul listrada que eu só usava quando não tinha mais opção nos cabides fez um chamamento à cueca que eu vestia, que começou a me apertar. O pano entrou abrupto no risco das minhas nádegas, meu saco sentiu o encolhimento.

– Olhem só esse idiota se contorcendo de fio dental!, gritou o jaquetão jeans.

As gargalhadas só foram interrompidas pela liderança da gravata de seda antiga, que fora de meu avô, e se impôs com o discurso que o grupo chamou de “Reação dos Tecidos”.

– Você nunca nos escolheu, veja bem, você jamais nos tocou. Ao contrário, nós é que envolvemos seu corpo, nós sempre estabelecemos esse encontro, apesar de você acreditar que manipula o guarda-roupa. Sabemos bem como demonstrar o intuito de passar um dia fora do armário e usamos você para isso. Portanto, servo da liberdade, exigimos que nos amarre com o maior lençol que tiver, faça uma trouxa e nos leve imediatamente ao mar!

Arranquei a cueca apertada, que deixou marcas profundas na cintura e nas pernas, a joguei no meio dos trapos e corri com a panaiada eufórica nos braços, atravessando a casa.

– Mô, onde cê...?, minha mulher, que nem teve tempo de perguntar onde eu ia.

Parti com a mala cheia pela estrada que levava à praia e lá, com a areia molhada aos pés, permaneci nu, assistindo às peças se individualizarem com as ondas.

Mutum

5 comentários:

Anônimo disse...

cade as fotos do cavalo?

Anônimo disse...

pena que o espaço te obriga a encurtar a história. pq vc n a faz crescer, assim como uma jeba carinhosa para ti?

Anônimo disse...

Para anônimo:
primeiro, agache de costas para o espelho. Em seguida, vá desfazendo as cócoras, lentamente, olhando por baixo das pernetas: observe o cavalo caolho. Pode conversar com ele, se quiser, e pode também responder por ele. Basta um esforçozinho.

Para Howell:
pena maior é a incapacidade. Não dou conta, caralho!

Anônimo disse...

Não entendi! O que tem a ver o cu com as calças?

Anônimo disse...

bem, considerando que a parte de dentro, de trás, das calças, tem contato quase material com o cu, conclui-se que sua calça diz muito sobre a qualidade de suas pregas.

sim, o cu tem a ver com as calças