O homem é um trabalhador também. E tenho certeza, todo dia nosso caminho se cruzava rumo ao batente. Ele de bicicleta, eu de mobilete. Eu vindo, ele indo. Gente que vive em uma cidade cheia de morro parece ter menos esperança na vida. Essa serra que abraça essa cidade não deixa ninguém ver uma saída, todos sem horizonte algum. E só nos resta subir a serra em um esforço desgracento. Coitado daquele rapaz, meio gordinho, subindo debaixo desse sol esse morro desgracento. Todo suado.
Eu já não tava “dando no couro” há mais de um mês, dois meses, sei lá. Já tava desejando que um qualquer me botasse um chifre na testa. Mulher é bicho carente. Precisa sempre de um chamego. Ou então de um abraço bruto, forte. Um homem que aquiete esse bicho mulher. Perdão, pode me chamar de cagão, mas eu não tenho vontade nenhuma de encostar a mão naquela perebenta. Ela às vezes até fica cheirosinha, com os cabelos molhados. Limpa. Mas aí me dá uma canseira só de pensar em me deitar com ela. Minha vida não tinha mais desejo, não tinha mais tesão.
Todo mês eu tenho que passar na casa da minha sogra pra buscar as contas de luz e água pra pagar. Velha desgracenta. Mais uma vida inútil nesse mundo, nessa cidade. Muitos anos inúteis. Devia morrer essa velha. No caminho da velha vi ao longe um homem em uma bicicleta. Pensei na sorte daquele coitado. No sol que queimava sua cabeça. Pensei se ele também tinha uma vida inútil cheia de gente inútil respirando o mesmo ar. Tentei entender a força que faz o homem continuar, dia após dia, conduzindo um destino rumo ao nada. Um destino inútil. E pra falar a verdade, isso já nem dá mais trabalho. É tudo que nós sabemos fazer. Quanto mais me aproximava do homem da bicicleta notava, nas suas costas, a mancha de suor na camisa. Resolvi diminuir a velocidade quando passei perto dele. Senti um vento frio. Senti o coração bater mais forte. Acho que senti tesão. É, senti, sim.
Pensei naquilo o dia todo. Pensei naquilo a noite toda. Pensei naquilo até cruzar de novo com o trabalhador da bicicleta no outro dia. Queria sentir de novo. Mas pra isso, precisava ver aquilo lá. Resolvi então, esperar. Já não pensava em mais nada. Só queria ver aquilo lá. E sentir aquilo. Ele passou, eu fui atrás. As costas suadas estavam lá. O corpo gordinho. Diminuí a velocidade e só quando mirei aquilo lá, senti de novo, senti aquele tesão lá. Não pensava em nada. Perseguia o coitado, fazia escolta ao trabalhador. Nunca tinha visto nada igual. Que beleza. Molhadinho. Um detalhe. Aquilo lá fazia o mundo valer a pena. Eu não sei o nome disso. É um buraquinho. É o começo do talho da bunda. Aquele talho que tem no meio da bunda. Já tinha cansado de ver talho da bunda. Mas ele por inteiro não tem a beleza, o sentido e o encanto do buraquinho. O buraquinho que a calça não esconde. O cabo da boa esperança, o cofrinho. Aquilo lá, sem nome, é a única coisa útil no mundo.”
Dr. Raul Bukowski, filósofo visceral e gastroenterologista
*Depoimento colhido no final de alguma década.
*Depoimento colhido no final de alguma década.
Um comentário:
Estranho, mas corriqueiramente tenho a impressão de Tibúrcios a me observar. É verdade também que me torno Tibúrcio em momentos inesperados: subitamente, deparo com um racha que o elástico desgastado da calça permite aparecer. Me emociono, sinto tesão, e não sei se agradeço à Deus ou às máquinas de lavar que puem calças alheias.
Dr., este relato é tudo, me traduziu e proporcionou novas concepções. Muito obrigado!
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