sexta-feira, dezembro 22, 2006

Prostituto

Depois que perdi o emprego achei que era insuficiente. Achei que não conseguiria fazer mais nada na vida a não ser encarregar o despacho da distribuidora. No momento da demissão ressurgiu inevitável o dia do teste psicológico para ingressar como baixo funcionário, quando fui admitido há treze anos. O ar tinha mais fuligem naquele dia, o chão do saguão era seco e desconfortável, as solas do meus sapatos que já nem existiam mais. Péssimas lembranças. Mas, sim, tirei uma bolada. E sim, fiquei viciado em elixir paregórico.

Ainda não havia percebido, mas uma mancha de mofo crescia na parede da cozinha, que, aliás, estava deprimente naquela tarde que. Voltei para casa mais cedo e, ao invés de conferir canhoto de nota fiscal, vi uma luz cinzenta invadir a sala. Me aproximei e assisti um flamingo voar harmoniosamente até que, num lapso de coordenação motora, perdeu o controle das asas e começou a cair. Havia se esquecido como voar. Esticava o pescoço, tentando inutilmente manter altitude. E despencava feito uma pedra – um profundo sentimento de perda me arrematava.

Quanto tempo joguei no lixo por causa daquela porcaria de emprego. Minha preciosa e irrecuperável juventude era uma embalagem de pirulito dispensada pelo vidro do carro, uma camisinha amarrada que afunda no monte de papel higiênico no cesto. A empresa me tirava, a cada segundo que passei no despacho nestes treze anos, gotas de suor e fios de cabelo como frações da minha integridade física e emocional. Foram treze, mas devo ter envelhecido mais de vinte anos. As marcas na pele da cara, um acerto miserável no bolso – eis minhas partes no trato. Pelo menos aquele gansão rosa-claro ainda não havia tocado o solo.

Um consolo: era só abrir a porta da geladeira que o vasilhame de caldo de arraia, que tinha comprado dum pescador, estaria lá.

Por isso não desisti de ganhar a vida. Nem cogitei que não conseguiria por causa da idade. Fui pra rua e descobri ser possível sobreviver com uma atividade bastante cotidiana: passei a tirar dinheiro da uretra. Foi difícil no começo, tive situações quase impossíveis, clientes arrogantes que deixavam faltar a higiene e a feira pra alugar meu bastão. Mas me especializei rápido, e muitos deles se contentavam com o tato e o sabor, nada de invasões. Dinheiro é tudo igual, meu filho, só muda de bolso. Era meu motivo.

Aquele flamingo retomou controle e altitude num rasante. Eu me tornei fiel ao pescador, que teve serviço para sumir no horizonte, de tanta arraia que começou a capturar. Um vasilhame já não dava para uma semana. E eu me sentia jovem outra vez.
Machal

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Diálogo no turfe-manco

“Não consegui sair do restaurante sem concluir que aquilo tudo é parte dum processo de longo prazo. Que a comida quente vira bolo e fica morna, até cair n’água e enfrentar a fria correnteza, para finalmente se desmanchar e iniciar o novo ciclo. Desconsiderei, obviamente, toda má sensação que a idéia pudesse gerar – meu nariz e meus olhos ficaram com a razão. Toda brancura dos dentes e maciez dos cabelos das moças na mesa ao lado se perderam em uma questão de etapa. Uma gota de chuva é antes o suor frio das nuvens, na altura do paraíso, envolvida pela maravilhosa assepsia do céu. Em seguida, tem o auge, a velocidade e o poder de dissipar o ar e os animais, oprimir as plantas, destruir o alimento. E por último ser divida por anelídeos sedentos na escuridão da terra, agarrada pelos capilares pegajosos das raízes e subir às folhas, retornar ao ar e iniciar novo ciclo, feito a comida...”

(Mandril interrompe)

“As lâmpadas e as estrelas têm olhos, caro Toco, somos vistos de cima a todo instante, mas não nos damos conta disso e concordamos com as coisas que os nossos olhos acham que são...”

(Toco retoma)

“...Me levantei da mesa com miserável desconforto, deixei como última impressão às moças da mesa ao lado o semblante de quem comeu muita carne – só faltou no meu estômago o pêlo do bicho para reforçar a noção de que um mamífero havia levado um tiro de pressão na cabeça, e depois sido esquartejado para caber melhor na minha barriga. A vida é a divisão, as partes como sentido do todo...”

(Mandril retoma)

“...Às vezes pegamos emprestados os olhos dos outros, o que nos permite distinguir instâncias, mas se você compara com tanta facilidade um aniversário a um pedaço de carne, certamente aceita a sorte e o azar como respostas. Pois afirmo que há uma razão superior, que foge da nossa compreensão, mas que nos rege e tem como combustível a coerência universal dos nossos atos. Chame de deus, buda, gaia, satanás...”

(Toco sente arder uma velha ferida e responde com outro exemplo contundente)

“Eu não disse que não existe algo que nos rege e que fuja do nosso controle. Acredito na coerência, mas não proclamo cegamente meus olhos superficiais. Não foram a sorte ou o azar que fizeram aquela jovem japonesa se soltar deliberadamente do terceiro andar do shopping e cair de cabeça no terraço, enquanto famintos por presentes de Natal pararam um instante para assistir o sangue da suicida se espalhar pela integridade do solo. Porque assim que o corpo foi retirado, e por incompetência da faxina, houve quem escorregasse no restolho de sangue. E houve quem carregou nos sulcos dos solados pedaços perdidos do cérebro da morta, partes que foram levadas para casa sem o menor remorso do dono dos calçados. Frações de massa encefálica chegaram ao lar junto com presentes do shopping, sem que isso incomodasse qualquer parte envolvida, o consumidor ou a família do cadáver.”

A conversa é interrompida com o início da corrida de cavalos mutilados.

Mutum

sexta-feira, dezembro 08, 2006

A máscara e a impureza

Shirley limpava a unha do pé com um clipe aberto, tirava uma massinha e levava perto do nariz, depois esfregava os dedos e tirava outra. O sopro da panela de pressão não a deixou ouvir a campainha. Era Basofa que apertava o botãozinho do lado de fora, não agüentou esperar e apelou pro tapa aberto na porta, aí a Shirley ouviu.

A vizinha chegou com creme no rosto, uma pasta branca ao redor dos olhos e da boca. Shirley perguntou o que era e a outra mostrou um potinho quase vazio, as mãos fedendo a cloro, e falava do marido, que era bom e potente.

Outro dia, a vizinha chegou sem avisar e pegou Shirley de calcinha desbotada preparando café. Os buracos de traça na parte de trás da veste não intimidaram Basofa, que queria mostrar as impressionantes fotos que havia feito do marido dormindo nu e provavelmente tendo um sonho erótico. Uma haste lustrosa partia do meio da cama, espécie de mastro sem vela, o que deixou Shirley curiosa.

A vizinha começou a contar a conversa que teve com o sobrinho magricela, que também viu as fotos e gostou muito do tio ali:

– Então ele coloca no potinho e dá pra usar uns três dias.

– Nossa, tia!

– Não tem nada melhor pra cravo.

– Pois eu levaria um tiro de cartucheira na cara, depois me jogaria num tanque de areia, só pra remover a sujeira dos buracos com esse creme facial.

– Que é isso, meu filho, eu ajeito um pouco pra você.

Shirley estava cada vez mais interessada nas propriedades esfoliantes, também queria o produto, mas teve vergonha de pedir. Basofa ofereceu, mas colocou alto preço, o que não diminuiu as expectativas.

Dias depois, Shirley areava as bocas do fogão e ouviu cutucões na parede. Lembrou-se que o banheiro da vizinha era logo ali atrás. O barulho cessou em poucos minutos, e em seguida tocou a campainha insistente. Basofa entrou com os cabelos molhados, alegre e com sorrisão opaco, contrastado com o alvo da máscara, o pote vazio nas mãos. Contava mais uma história de captura do prazer selvagem durante um banho corriqueiro que havia se transformado numa cachoeira de proteína e testosterona.

Shirley desistiu do pudor: implorou para ir até a casa da vizinha naquele momento. Se pudesse atravessaria as paredes num ímpeto incontrolável, mas Basofa ponderou. “Deixa ele descansar um pouco. Enquanto isso, a gente negocia”. “Eu não agüento mais esperar”. Basofa insistiu na negativa e transpareceu receio. “Mas não pode ser assim, minha filha, tem que dar um tempo pra ele repor as energias, eu trago um pouco mais tarde...” “Eu preciso é agora!” Basofa desabou com um empurrão.

Shirley invadiu a casa da vizinha e viu aquele homem de costas peludas bater uma massa na bacia, na cozinha. Sobre a mesa, farinha, maisena, água e cola Tenaz.
Machal

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Cine Jurupari

“– Economizar?

Um finlandês arrepia a nuca, enquanto que um turco estica a barba e amaldiçoa gerações, e Pedro não compreendia:

– Mas, por que, irmão?

Divino, mais velho, explicava que era necessário guardar o dinheiro por causa da crise que se aproximava, que o Estado era falido e que não havia mais esperança, mas o irmão ignorava boçalmente, ao eco dos armários vazios de comida:

– É necessário?

Divino baixa a cabeça, como quem pede desculpas, silencioso; como se renunciasse a um cargo; e dá as costas.

– Irmão?

Ele vai até a varanda, e com os olhos baixos percebe o chão ficar mais claro à medida que se aproxima do pomar: raios trincavam o céu e atingiam galhos secos e pontiagudos. Bolas de fogo brotavam das árvores e estralavam as gotas finas de ácido que caíam. Uma planície encarnada era suspensa.

– A miséria chegou!

Gorgolhão de calor invade a casa pela entrada principal. Desesperados, os irmãos correm, esquivando-se dos móveis inflamados, e se abraçam com força na sala em chamas. Tentam esconder o rosto no ombro do outro, e se agacham, enquanto a tinta forma bolhas e escorre gordurosa pelas paredes.”

Ascenderam as luzes, subiram os letreiros. A sala do Cine Jurupari era esvaziada ao final de “O Divino comeu ópio”. Toco se levantou sorridente da poltrona e repercutiu: “Eu imaginei o capeta chegar e empalar os dois!”. “Vamos, que o sol vai nascer de repente”, avisou Mandril.

Fora do cinema o sol forte fazia arder as vistas. “Vamos comer!” Eles foram a uma lanchonete. Sentaram-se perto da vitrine e pediram carne, batata, pasta de queijo e cerveja. Comiam e conversavam. “O melhor são os efeitos especiais” “Discordo, o roteiro é melhor”. “O que não seria nada sem a fidelidade dos efeitos.” “Não, o roteiro é independente.” “Jamais! Os efeitos o temperam: põem mais vida em certos momentos, amenizam outros.” “Mas não passam de interpretações da produção, não necessariamente as minhas ou as suas.” “Mas interpretações feitas com muita...”

Um mendigo surge do lado de fora, bate na vitrine e pede ajuda para inteirar uma marmita. Urge com a boca decomposta e fala em boa altura. Interrompido, Toco finge que não é com ele. O homem não pára de murmurar, enquanto espreme os calos das mãos no vidro e embaça a parte em volta do nariz. Mandril nada diz e os dois começam a comer rápido, como que ameaçados, para definitivamente superar a presença indigente.


Pagam a conta e levantam-se, satisfeitos com a comida e com o atendimento, e vão em direção à porta antipânico. Uma legião de miseráveis os aguardavam do lado de fora, mas os dois amigos saíram distraídos e foram subitamente sorvidos pela massa encardida e fedorenta, feito duas pepitas que afundam na lama, envolvidos nos braços desvalidos, que roçavam suas peles macias com uma casca ressequida. Alguns mendigos lamberam forte os dois nos lábios.
Mutum

quarta-feira, novembro 29, 2006

A coisa mais útil do mundo

"Meu nome é Tibúrcio. Tudo que a gente confessa, já não mais nos envergonha. Tem muito homem aí que engana a esposa em uma vida dupla. Faz gato e sapato da confiança da mulher, e nem ao menos, se lembra dos filhos na hora em que goza soltando o bafo quente sobre a amante. Lembrar dos filhos nesse momento certamente brocharia qualquer cidadão normal. Mas lembre-se, existe gosto pra tudo que existe nesse mundo. Eu mesmo, um caboclo trabalhador que levanta antes do sol. Um pai de família. Um pai de duas famílias. Coisa que já não é muito normal. Mas então, eu mesmo amo e desejo uma coisa que os outros não amam. E como eu quero aquilo lá.

O homem é um trabalhador também. E tenho certeza, todo dia nosso caminho se cruzava rumo ao batente. Ele de bicicleta, eu de mobilete. Eu vindo, ele indo. Gente que vive em uma cidade cheia de morro parece ter menos esperança na vida. Essa serra que abraça essa cidade não deixa ninguém ver uma saída, todos sem horizonte algum. E só nos resta subir a serra em um esforço desgracento. Coitado daquele rapaz, meio gordinho, subindo debaixo desse sol esse morro desgracento. Todo suado.

Eu já não tava “dando no couro” há mais de um mês, dois meses, sei lá. Já tava desejando que um qualquer me botasse um chifre na testa. Mulher é bicho carente. Precisa sempre de um chamego. Ou então de um abraço bruto, forte. Um homem que aquiete esse bicho mulher. Perdão, pode me chamar de cagão, mas eu não tenho vontade nenhuma de encostar a mão naquela perebenta. Ela às vezes até fica cheirosinha, com os cabelos molhados. Limpa. Mas aí me dá uma canseira só de pensar em me deitar com ela. Minha vida não tinha mais desejo, não tinha mais tesão.

Todo mês eu tenho que passar na casa da minha sogra pra buscar as contas de luz e água pra pagar. Velha desgracenta. Mais uma vida inútil nesse mundo, nessa cidade. Muitos anos inúteis. Devia morrer essa velha. No caminho da velha vi ao longe um homem em uma bicicleta. Pensei na sorte daquele coitado. No sol que queimava sua cabeça. Pensei se ele também tinha uma vida inútil cheia de gente inútil respirando o mesmo ar. Tentei entender a força que faz o homem continuar, dia após dia, conduzindo um destino rumo ao nada. Um destino inútil. E pra falar a verdade, isso já nem dá mais trabalho. É tudo que nós sabemos fazer. Quanto mais me aproximava do homem da bicicleta notava, nas suas costas, a mancha de suor na camisa. Resolvi diminuir a velocidade quando passei perto dele. Senti um vento frio. Senti o coração bater mais forte. Acho que senti tesão. É, senti, sim.

Pensei naquilo o dia todo. Pensei naquilo a noite toda. Pensei naquilo até cruzar de novo com o trabalhador da bicicleta no outro dia. Queria sentir de novo. Mas pra isso, precisava ver aquilo lá. Resolvi então, esperar. Já não pensava em mais nada. Só queria ver aquilo lá. E sentir aquilo. Ele passou, eu fui atrás. As costas suadas estavam lá. O corpo gordinho. Diminuí a velocidade e só quando mirei aquilo lá, senti de novo, senti aquele tesão lá. Não pensava em nada. Perseguia o coitado, fazia escolta ao trabalhador. Nunca tinha visto nada igual. Que beleza. Molhadinho. Um detalhe. Aquilo lá fazia o mundo valer a pena. Eu não sei o nome disso. É um buraquinho. É o começo do talho da bunda. Aquele talho que tem no meio da bunda. Já tinha cansado de ver talho da bunda. Mas ele por inteiro não tem a beleza, o sentido e o encanto do buraquinho. O buraquinho que a calça não esconde. O cabo da boa esperança, o cofrinho. Aquilo lá, sem nome, é a única coisa útil no mundo.”
Dr. Raul Bukowski, filósofo visceral e gastroenterologista

*Depoimento colhido no final de alguma década.

domingo, novembro 26, 2006

De fora pra dentro

A força dos genes do pai servente de pedreiro, talvez modificados pela dureza da vida, fez com que Washington nascesse com uma anatomia incomum, pelo menos na infância. Das origens naturais, digamos, herdou o atarracamento e as narinas chatas, como duas rolhas de poço.

O garoto troncudo era o orgulho do pai. O amor paterno era latente, mas normalmente manifestado à distância. Se aproximava do garoto para mostrar aos amigos a grande e roxeada, quase preta, bolsa escrotal. Acima daquela pele enrugada e de rigidez variável de acordo com o clima, precipitava-se o priapo do infante: fino e desproporcionalmente grande para um bebê de oito meses. As mãos tinham dedos finos, como de uma moça, e o polegar grosso, tal qual o do pai.

Talvez fosse falta de mimos, o fato é que se distraia com as mãos, apertando os dedos, sentindo texturas e olhando seus pequenos instrumentos. Não tardou para que descobrisse a química perfeita entre polegar e boca. Chupava compulsivamente a principal característica que sobrara de seu velho. Passava o dedão pelo céu da boca, deslizava o tato pela formação óssea e o forçava contra as paredes da bochecha. "É normal. Os dentes já vão nascer", sentenciou com infindável ar de sabedoria o dentista do SUS, recém saído dos corredores da faculdade.

Desgostoso, o pai matou uma garrafa de aguardente, rangendo os dentes a cada gole, e aceitou. "Pelo menos é pintudo", pensou em meio à bebedeira. Com o tempo o garoto foi perdendo o interesse pelo dedo, já destruído depois de meses de forte sucção. O vício tinha sido tão intenso que o maxilar parecia ter se desviado para frente, aumentando as características símias já ressaltadas pelos buracos nasais.

Depois de largar o dedo, Washington ficou sorumbático. Andava de soslaio pelos cantos do barraco e pelo quintal, onde passava a maior parte do tempo. Gostava de mijar na areia de depois fuçar com a mão. O quentinho do líquido, misturado à aspereza dos grãos, o agradava. não tardou para que passasse a esfregar a massa barrenta pelos braços e pernas. Fazia isso escondido. Pela absoluta falta de educação, não tinha noção do que é certo ou errado, mas sentia que seria repreendido caso fosse pego. Por isso se divertia durante a tarde, enquanto o pai estava fora e a mãe cuidava das mãos e pés de suas clientes.

Percebeu que quanto mais água bebesse, mais mijaria e se deliciaria em sua banheira particular. Era essa sua maneira de aprender, sozinho. Num dos banhos enquanto passava a areia molhada pelo corpo e rolava de um lado para outro, sentiu insuportável coceira no cu. Contorceu os dedos do pé e não tardou em socar a mão no rabo. Esfregava com força os finos dedos, quase sem unha, mas cheios de areia, nas paredes externas do ânus.

Acabava de descobrir uma nova forma de prazer. No início se sentia estranho em roçar os dedos lambuzados de areia barrenta pelo cu. Tentava esperar pela coceira. Instintivamente deixava de limpar os restos de bosta dos mingaus e papinhas que lhe enfiavam goela abaixo. Segurava o mijo até a barriga inchar, a espera da coceirinha gostosa. Assim que ela vinha, saia correndo de frente da TV para o quintal. Já tinha perdido o medo de ser flagrado: disparava da mangueirinha jatos intermitentes e fortes. Metralhava a areia do quintal, tirava as roupas e mergulhava de peito. Dava três braçadas e socava com vontade o dedo no cu.

Gostava de brincar com todas as falanges, dentro e fora, mas o dedão era o preferido. Tirava o membro com os cantos da unha apinhados de bosta. Cafungava com força e ria marotamente. Imitava com a boca a forma do ânus e metia-lhe dentro o dedo cagado. Seguiu com o vício por vários meses, até se distrair com outras coisas. Nunca foi descoberto. Só deixou o pai desgostoso quando o velho viu que o velho hábito de Washington de chupar o dedo havia voltado.
Mr. Loath Some

Bambuí: volte sempre

Sujeito subia a serra de uma rua torta em Bambuí. E eu lia na rodoviária da cidade: volte sempre. Mas como voltar? Como voltar, se naquele dia eu queria mijar e o banheiro fedia de um jeito insuportável? Muitas coisas são suportáveis antes de induzir ao vômito. O banheiro de Bambuí, não. O banheiro da rodoviária de Bambuí se transformou pra mim no mais tenebroso cartão de visitas de uma cidade. Em vez de um Cristo, um personagem menos santo me aguardava de braços abertos. Um toco. Um toró. Uma 'obra', como muitos cidadãos bambuienses dizem. Como poderia caber tanto fedor em um objeto (?) de uns 20 centimetros? A ciência deveria estudar o poder de compactação de moléculas naquela merda. Vida apertada dessas moléculas. E a gente ainda reclama da saída do cinema lotado. Pior seria sair de um cinema lotado, a passos de tartaruga, e um sujeito fazer aquilo que vi em Bambuí lá no meio de toda a gente. Seria pior que incêndio. Inclusive, acho que deveria ter uma saída de emergência nesses casos. Quando a senhora gorda demorasse tanto para entrar e sair do banheiro apertado do ônibus, depois de despejar meio quilo daquelas moléculas acima citadas, uma alavanca deveria imediatamente avisar ao motorista: Pára que fedeu! Uns minutos de ar fresco na estrada já melhorariam a 'mufunha' desconcertante. Mas no banheiro da rodoviária de Bambuí não havia ar. Não havia nada. Se o universo começou do nada, o nada era um banheiro sujo de Bambuí. Ali gases se contorciam em uma dança escorregadia de odores. Acredito que o perigo de combustão era constante. Quem diria que ali em minha frente no banheiro de uma cidade mineira, um protótipo da origem do universo se manifestava. E o ser que fez aquilo nem suspeitava ter criado uma miniatura do Big Bang. Uma Big Bosta. Pena que não tive capacidade pulmonar de aguentar aquilo dentro de mim. A visão era horripilante, mas o cheiro era o vencedor. Voltei pro ônibus e sentei na poltrona como se presenciasse o pré-tudo. Me sentia em lugar sem inferno, nem céu. Estava em Bambuí. E o sujeito subia aquela serra em zigue-zague, feito uma formiga. E o sujeito limpava a testa com um lenço. Há poucos minutos tinha cagado um universo.
Dr. Raul Bukowski

sexta-feira, novembro 24, 2006

Patroas esmagadas

Enquanto a primeira barata coçava o casco com a ponta de uma perna e gesticulava, a segunda passava as antenas sobre a massa acinzentada, macia e de odor lacrimejante: lambia um naco rançoso de gordura, curtido na água do esgoto, e se impressionava com a história da amiga:

– Você não vai acreditar no que a Neide fez!

– O quê, mulher?

– Um absurdo, veja você!

– Diz logo, então!

– Não é que ela usou meu banheiro hoje! Imagine que eu chego em casa na hora do almoço e me deparo com um papel higiênico usado no vaso, todo lá, com um rasgo manchado no meio.

– Essa sua empregada é um monstro de tão abusada, eu já avisei.

– Mas essa foi a gota.

– Ora, ela já fez coisa muito pior, admita.

– Não, isso foi o mais repugnante que aquela suína poderia ter feito. Fiquei imaginando: e se me chega uma visita? Eu teria que dizer que era meu?

– Que horror! Só sei que nunca mais voltaria à sua casa se a visita fosse eu.

Durante o diálogo, viajava pela borda do esgoto um tolete pleno, guiado por um camarão caolho, que deslizava seu veículo na papa apodrecida, deixando marcada para trás sua trajetória. Uma das baratas dá com a pata e pára o táxi-bosta. Elas entram e sequer reparam na cara do camarão abjeto.

– Toca pro banheiro, exige a primeira, enquanto a outra se acomoda no assento de verme. Sentadas, elas passam a observar a paisagem – o caminho lhes é longo e propício à contemplação.

Nas paredes das manilhas umedecidas, platelmintos sobem sobre os outros. Eventualmente, um se desprende do teto e cai, para ser guiado pela correnteza lenta, e acaba afundando quando encontra um degrau no curso do canal. Nestes locais sobe um gás adstringente, que afasta os musgos mais sensíveis. Minhocas brancas também não são raras; normalmente ocorrem enroscadas nos tufos de espuma e cabelo que se formam nas quinas.

– Não sou preconceituosa, você sabe, mas não entendo como há quem se envolva com gente como Neide.

– Urg! Me dá nojo!

– Para você ver...

O camarão encosta o belouro rente a um cano que dá para um ralo acima, no teto, por onde entram filetes de luz. As amigas deixam o veículo sem olhar para o guia.

– Atentem, senhoras, para o peso da borracha!, adverte o crustáceo da corcunda enlodada, sem que elas dêem a menor pelota.

As baratas sobem pela tubulação. Passam pelo buraco central do ralo, uma de cada vez, e chegam ao piso branco do banheiro, sem perceber, mas ao lado das pernas castanhas de Neide, que dava uma faxina. As duas permanecem estáticas, apenas mexendo suas antenas, combinando o passeio, enquanto um pé de Neide levita vagarosamente, formando uma sombra ao redor dos insetos.


Três segundos de misericórdia: como uma prensa pneumática a canela seca da empregada alastra o vento e atinge as amigas, que explodem e botam para fora uma pasta branco-amarelada, cuja fedença causa ânsia e precipita Neide, que age rápido e despeja o desinfetante para limpar a imundície das patroas.

Mutum

sábado, novembro 18, 2006

A solenidade

Trincavam os cristais. Espalhados pelo Salão d’Ouro, grupos de no máximo três convidados brindavam sem elevar as vozes. A solenidade fluía, apertos de mão trocavam de lugar, as pessoas começavam a repetir “garçom!”, quando, pela porta entreaberta que dava para o jardim, entra uma suricaca.

Diferente do coati, a suricaca tem pelo baixo, amarronzado, e a cauda felpuda, de coloração cremosa. Do tamanho de uma anta (há relatos de machos com a altura de um potro adulto), exibe olhos mel numa cabeça média, de focinho curto, com dobras quase no encontro da boca com as orelhas.

Tem uma peculiaridade: o pênis é como dos cães, com um bulbo na ponta, só que mais ossudo quando excitado, exatamente como estava o do exemplar que invadiu a solenidade.


Os homens e suas respectivas senhoras se afastaram aos tropeços, enquanto o bicho atravessava lentamente o hall, fazendo no pêlo do tapete um risco molhado com a ponta do pescoço rosa.

– Alguém, pelo amor de Deus, retire esta coisa horrenda e asquerosa daqui!, esbravejou um executivo de terno roxo em tom autoritário, para quem a suricaca olhou com mais afinco.

Endemoniado, o animal rugiu seco e avançou, congelando a alma e a reação do nobre homem, que caiu ao tentar correr, como um bezerro recém-nascido que tropeça com as ancas dobradas para cima.

Os convidados reclamaram do mau cheiro dos aspargos e foram imediatamente restituídos com ostras frescas. Enquanto isso, o fidalguia apreciava um parma cru avassalador.

Machal

quarta-feira, novembro 15, 2006

Um breve ensaio sobre o adeus às fezes

Fezes: breves são os encontros, inesquecíveis as despedidas. A última imagem, como uma foto tirada. O tempo e o espaço, imóveis. A descarga é o elemento de segregação. Se são dois pedaços ou mais, pode haver esperança de um deles ficar na estação-latrina, submergindo para um segundo adeus. Mas a despedida é realmente dolorosa se o cocô estiver sozinho. Por onde andará o pobre garoto errante? Por quais esgotos passará? Alguns andaram em Aushwits - que histórias horríveis devem nos contar? Mas o fato é consensus omnium: todos se despedem das fezes antes de dar a descarga. Pelo menos os bons o fazem.

A explicação vem da Mitologia Grega. Merdúnio era filho de Zeus com uma lavradora, a mais bela dos campos. A beleza do jovem era radiante, com sua pele morena e seus olhos amarelos cor de milho. Outros olhos o quiseram, os olhos da deusa Deméter. O amor era proibido. Talhado pelo ciúme como uma obra de Hefestos, Zeus resolveu se vingar de seu filho Merdúnio, o enviando para a terra de Hades (que governava o sombrio mundo subterrâneo com sua esposa Perséfone, um lugar escuro e triste, nas profundezas da terra, povoado pelos espíritos das pessoas que morriam. Um esgoto, diria).

A vingança alcançava também a deusa Deméter. A sentença cruel, de uma crueldade provinda das entranhas: a amada deveria defecar seu próprio amado. Era como se Julieta cagasse Romeu. Assim, Merdúnio virou cocô no olímpico ânus de Deméter. Saldo mundano e final, ele virou adubo, ela adeusa da agricultura. Por todos os anos (ânus) a humanidade ficou com o sentimento de culpa. Todos os dias, nos tronos dos mortais, uma despedida solene e silenciosa é rompida somente pelo trovão de uma descarga.
Dr. Raul Bukowski, filósofo visceral e gastroenterologista. Costuma tocar Wagner ou Beethoven nas solenidades de despedida fecal

segunda-feira, novembro 13, 2006

Lacraias e lesmas na atmosfera

Os miseráveis da Galiléia logo perceberam: aquele que se materializara ali em frente era um sujeito diferente: como poderia da respiração de suas narinas sair pequenas borboletas coloridas?

– Meu projeto é o melhor. Vejam bem vocês. Vou distribuir minha proposta de governo e tenho certeza de que se analisarem, pessoas inteligentes como são, vão perceber...

E enquanto falava o homem de camisa azul e gravata sóbria, de sua boca voavam pétalas de rosas perfumadas como a verdade mais absoluta da mais sublime das escrituras.

– E o que o senhor vai fazer pelos jovens?, perguntou o jovem pescador da Galiléia, que naqueles idos estava certamente fodido e mal pago.

– Os jovens são o futuro da nação, temos que dar oportunidades. Oportunidade de emprego, incentivar empresas a conceder o primeiro trabalho ao jovem cheio de vontade e garra. Sem falar nos estudos. Porque um país sem o saber é um país entregue ao esquecimento e longe do que nosso povo merece e tem direito. É preciso transformar essas cavernas áridas em escolas, ministrar cursos profissionalizantes, fazer o financiamento a juros populares de instrumentos de trabalho...

E enquanto o homem abanava os braços, flores das mais lindas
surgiam pelo solo desértico da Galiléia; da poeira de suas pegadas nasciam pequenos marsupiais, uma seriema e um filhote de tigre albino. Na empolgação mais extrema, do encontro de suas palmas, escorreu lentamente um unicórnio. O eleitorado enxotou os animais, que por onde correram nasceu grama.

– Mas do que adianta curso e varas de pescar com molinetes italianos se o Mar da Galiléia não tem peixe nem pra remédio?, rebateu o velho pescador oposicionista.

– Meu senhor, vejo que ainda não teve a merecida oportunidade de analisar meu plano de governo. Na página 121 está claro. Vou encher o Mar da Galiléia de peixes: carpas japonesas, tambaquis, pirarucus, lambaris, pacus, traíras também, por que não? Vou distribuir o cheque-peixe. Cada cidadão terá o direito de pescar o seu peixe todo o dia. Nenhuma criança mais passará fome. Vou consolidar projetos e fazer muito mais.

Um par de arco-íris já saía dos olhos do palestrante, transformava em uma fábrica de cestas-básicas uma grande rocha onde eram sacrificadas as prostitutas velhas, quando o leproso rastejante chegou às suas sandálias de pescador da Galiléia, mesmo porque na página 157 estava claro que era necessário incentivar a produção nacional.

– Beije, homem, beije meus pés.

Quando o lábio inferior – que de tão podre parecia mais a xoxota de uma vaca em fase gasosa de putrefação – tocou a joanete, num estouro subiu o enxofre: o leproso foi-se, substituído por um caucasiano saudável. O candidato não mais era: em seu lugar um bode de camisa azul e gravata serena.

O povão ergueu o bicho em seus braços e gritou: – Já ganhou!, Já ganhou! Por trás dos ombros surgiram bandeiras em longas lanças marrons!

Jogado para cima, na mais alta atmosfera que poderia alcançar com a força daqueles bíceps miseráveis, o bode peidou: de seu cu voaram lacraias gigantes e lesmas ácidas em meio a um caldo molhado.
John Howell

domingo, novembro 12, 2006

O dia em que a notoriedade de Normando Paschoal se estendeu aos imagos negros

De tão competente e criativo, Normando Paschoal não era conhecido. Apenas uns poucos amantes da literatura obscura souberam que ele estaria na cidade naquela noite. Mas eram tão ralos seus leitores que, quando chegaram ao bar marcado, viram que se conheciam todos. O mestre cumprimentou os jovens com movimentos sutis de cabeça, quase imperceptíveis. Deu com a mão para três. Na mesa, cachaça, galinha, pessoas de preferências semelhantes e um manifesto de adoração. Sentaram-se e um altar se impôs, distanciando o santo dos apaixonados.

Normando Paschoal era feio. Um e noventa de altura, cabelos dispersos, dentes longos e amarronzados; um nariz acidentado de cravejos pretos, que mais pareciam covas de tão fundos, de onde brotavam pêlos grossos e mau cheiro. Não havia como não reparar na agressão aparente daquele homem, ou pelo menos no abatimento que transmitiam suas roupas brunas, no desespero silencioso que emanava de seus olhos fundos e bordados de cera. Uma ojeriza aplacava quem olhasse por poucos instantes aqueles lábios intercalados de rachaduras, de onde minava um sangue seco, pútrido.

Os jovens que haviam combinado com o escritor naquele bar se anteciparam na conversa. Dirigiam-se a ele e obtinham nada além de respostas curtas, sem perguntas de contrapartida, o que fez com que nascessem espinhos nas suas cadeiras. Eles sentiam um desconforto abissal. A mesa estava na calçada e qualquer coisa que quebrasse o silêncio era um alívio para o grupo, como foi com a chegada do garçom, com o motor desregulado da Veraneio que passara, com a menina maltrapilha que se aproximou e ofereceu flores de plástico.

– Lhe importunaria se pedisse um autógrafo neste meu livreto, mestre Paschoal?, ansiava um gótico moço, com uma caneta tinteiro e as costas da publicação apontadas na direção do convidado. Uma emanação lacrimejante de vinhoto saída da boca entreaberta de Normando precedeu a resposta:

– Afastem-se, por favor!


Uma borboleta preta pousou na camisa do escritor, na altura do coração. Ele observou o inseto e teve um sorriso incipiente, mas bastante pra fazer a mesa ficar menos tensa, pelo menos até quando outras duzentas borboletas apareceram e tomaram seu corpo magro, como folhas que se desprendiam das árvores anoitecidas e formavam uma colméia densamente negra sobre a cadeira. Paschoal gargalhava para elas – acompanhava com os olhos as que se aproximavam pra invadir seus restos – e gozava agora uma felicidade bizarra, envolvido pela praga.

Os leitores quiseram se transformar em larvas e saíram do bar à procura de casulos.
Mutum

Surge mais um apreciador de foie gras e vinho português, que reconhece também em peido de comidas grã-finas notas florais

Dr. Raul Bukowisk cumprimenta o governador depois de coçar a chapuleta, peida no jantar com empreendedores de destaque, ao mesmo tempo que sorri quando se dirige a demais autoridades e grandes empresários, em sinal de trato e compostura. É homem fino, bem sucedido como os fortes, com a vantagem de ser um legítimo possuidor de características suínas no desenho do cu. Carrega consigo, bem no meio da bunda, um digno olho de porco.

Parabéns, companheiro. Seja bem vindo nesta confraria de respeito, onde trocamos lições de moral, histórias bonitas e experiência de vida.

E aproveito este momento de enaltecimento, emocionado pela aparição abençoada de Dr. Raul Bukowisk, pra deixar o alerta, seguido de convite, a todos os homens de bom gosto: atentai, senhores, para o olho de porco. Contribuam com este blog miserável, que pode destruir a vida de milhares de pessoas. Aceitamos depósitos em conta. Notas de cinqüenta também são bem-vindas. Mas se não puderem gastar, se devem seis meses de pensão pros filhos e para as eis, se estão em falta com o pastor, pelo menos mandem seus textos (desde que saturados de ternura e fineza, que são detalhes muito importantes para nós).
Machal (assino também por John Howell)

quarta-feira, novembro 08, 2006

O reencontro

Suavemente o dia começa. Eu tenho meu bolso cheio de conchinhas. Tão suavemente. Depois de todos esses anos você não me conhece como da primeira vez que conversamos, a primeira semana, o primeiro beijo. O vento de verão veio queimando a frieza do nosso desencontro. Agora estamos aqui, eu 17 quilos mais gordo, você, 17 vezes mais linda. Os outros banhistas mal desconfiam que já fomos, antes, nossos. Voamos à noite, pegamos carona ao som de bregas boleros, dançavamos por aí, até que dancei sozinho. Queria dizer qualquer coisa estúpida agora, mas a idade não permite. Mas eu te amo. Só tem velhos nessa praia e minhas hemorróidas ardem. Razões? Antes fosse sua carreira de estilista, antes fosse qualquer coisa externa ou pressão da família.. Pelo contrário, seu pai me adorava, nossos pais se adoravam. Antes fosse outra paixão avassaladora. Mas não, nada disso, me trocou pois precisava de um pouco de ar. Não foi frieira, nem mal hálito. Não. E agora, preciso me aproximar de você pra dizer, não me controlo, é um desejo interno, preciso te colocar mais uma vez a par desse sentimento. Um sentimento de alívio, uma prova de que estou vivo, uma prova aromática de amor. Mas você nunca soube entender. Vou me aproximar. Vamos conversar, conversar, lembrar o que passou. O ultimo beijo recordar. E só aí te pedir, ao perceber que o sentimento se aflora. Não me importa levar outro fora. Meu amor, meu velho amor, puxe, sim, puxe meu dedo pra mim e pum...pum...puuuuuuuuuummmmm...e nosso amor é tão belo e único por sempre acabar assim...

Texto retirado de historia verídica. Pelos idos de 58, Dr. Bukowisk estudou a relação flato-social de alguns pouquíssimos indivíduos.

Dr. Raul Bukowisk, filosofo visceral e gastroenterologista

quinta-feira, outubro 19, 2006

Ao que disse que só falo merda

Às vezes penso: seriam as fezes do idiota verdes como de búfalos, ou sequinhas como as do catitu? O fato é que o aspecto diz muito sobre o humor de quem as produz, quase como indica a natureza e a qualidade da comida. Multicolor ou de pigmentação hesitante simbolizam mal-estar, do jeito que viscosidade e mau-cheiro são expressões verdadeiras da vontade de não conversar com ninguém. Meça seu desempenho no trabalho pela aparência do que expele no fim do expediente. É um excelente termômetro do estresse.

Entenda a
BOA APARÊNCIA!

• Como amassadas a mãos, marrom-escuro-médio, de buquê nem doce, tampouco azedo, mas equilibrado. Neste caso, as narinas de sua irmã ou de seu pai podem ficar relaxadas ao entrarem no banheiro em seguida;

• Representam o “de bem consigo mesmo”, além de oferecerem as vantagens da boa convivência profissional, vez que não se anunciam em peidos fedorentos;

• Proporcionam mais prazer ao serem expelidas (sem dúvida, compare às pastosas!).

Vê como é importante falarmos desse assunto.
Macau

quinta-feira, outubro 12, 2006

Como se destacar no trabalho

Meu esfíncter se abriu como uma boca esfomeada, assim que o bolo emparedou, preparando-se para aliviar-me. Eu estava naquele banheiro enorme da firma, com o bidê e o box de um lado, e o vasto espaço do outro, azulejado em branco-frigorífico. Há nesse lado vazio duas portas, uma de frente para outra, entrada e saída.

Começara a cagar quando me abre uma das portas um funcionário. Ele entra e sai pela porta da frente, deixando as duas abertas, sem me perceber ao vaso. Mais empregados começam a atravessar o banheiro e nenhum sequer olha pra minha cara enrijecida de quem caga duro. Eu tampouco me importava com aquela gente de crachá, entrando e saindo, como se a velocidade do andado representasse bônus no soldo. E observava tudo tranquilamente, até gostava de vê-los.

O celular de um executivo toca durante a travessia. Ele atende e pra poder conversar melhor sai da rota, tapa o outro ouvido com um dedo e se aproxima do vaso. Vem falando sobre questões da empresa, olhando pra mim e acena, insinuando que precisaria de uma conversa rápida.

Meu ânus alarga-se novamente, desta vez para a liberdade de um torrão denso e pesado, que apontou o bico justamente quando eu recebia os cumprimentos do executivo, um diretor da firma. Aquele justo homem me parabenizava pelo meu último relatório e, apesar de não ter deixado claro, sugeriu uma promoção. Despenca o tolete, o diretor se retira e os funcionários começam a me olhar diferente. Em represália, ignorei a descarga.
Maqal

Quando apertei o botão laranja e gozei: relato de uma viagem aérea curta de longo prazer

Agora mesmo estou em dúvidas: não sei se corto os pulsos ou mando aquela bronha com gel lubrificante. Tudo porque descobri ontem algo então secreto para mim e que completamente me consome nada mais que a pica: sou tarado em aeromoças. Não importa se feias ou bonitas, quero comê-las todas. O que não havia entendido é qual é a graça, mesmo porque do menu nada ainda havia experimentado.

Agora quem realmente sofre por essa tortura sexual é meu querido membro rijo que cá me ajuda com a barra de espaço na digitação deste. Está todo esfolado nas beiradas.

Com mais sangue na cabeça de cima, pus-me a imaginar: a graça nas aeromoças é a mesma de qualquer mulher: os gemidos contidos, as coxas quentes e roliças, os mamilos assanhados apontando os dedinhos, os glúteos apetitosos, as unhas nas costas, a certeza de encontrar lábios novos para beijar e o “me fode gostoso”.

Mas depois de um banho quente pude reparar em algo que as faz deveras atrativas: são prestativas ao extremo, quase tanto quanto prostitutas. É certo: não servem sexo aí a torto e a direita, mas ao menos não lhe roubam o dinheiro da carteira quando sai nu para um mijão.

Recordo meu vôo em completo regozijo. Na rampa em direção à aeronave, claro, sempre há mulheres a seu lado que hão de pegar o mesmo vôo. Mas nenhuma das passageiras tinha aquele sorriso de “quero casar com você” como o da primeira aeromoça com a qual me deparei logo na porta do avião.

Em meio a um universo de desconhecidos, extremamente impessoal, sentei-me obediente em minha poltrona, seguindo a marcação: 13A. E guarde bem: se tiver sorte, não terá ninguém ao seu lado, as poltronas vizinhas ficarão vagas. Se por um acaso cair na janela para poder ver o lado de fora da decolagem, não se afobe em apertar logo o botão alaranjado sobre sua cabeça. Conserve os primeiros minutos para observar – a emoção do empuxo fará bem para sua pressão sangüínea.

Mal me acomodei, lá veio outra aeromoça com mais agradinhos: uma bandeja cheia de balas toffee. Morena, seios fartos sob uma blusa branca e protegidos por um sutiã com aro de metal para sustentar os melões. Com atenção via-se que sem a maquilagem que lha betumava a cara não restaria tão provida de beleza. Mesmo assim queria que ela chegasse logo para que eu confirmasse que aqueles olhos brilhantes me diziam a verdade: que ela tinha um belo rabo quente. “O senhor aceita?” “Mas é claro!” Meti a mão na botija dela e tirei quantos doces quis para lambuzar-me os lábios.

E que rabeta estufada em sua saia azul!

Ah, agora me recordo de outro atrativo nessas belas donzelas do ar: o agrado que me causa quando elas flagram alguma irregularidade, como um celular que toca preste à decolagem, um cinto de segurança desatado. Com uma ríspida doçura, seguida de um “por favor”, ordenam ao passageiro que siga as normas. Há algo também que não se pode deixar de relatar: elas sabem que são fetiche, e isso as protege. Mas estou pouco a me foder: imagino logo uma Dominatrix toda de branco e saltos altos me prendendo no banheiro da aeronave com o extensor do cinto para obesos: “Hoje, você vai ser obediente. Quero cavalgar de ré em sua pica!”

Imagine caro leitor, eu em completo devaneio sexual com a Dominatrix Branca pressionei o botão laranja. Rapidamente chegou a aeromoça, a do “quero casar com você”. “Posso ajudar, senhor?”, disse ela, com um sorriso lindo. Não resisti, já via aqueles peitões pulando em minhas palmas: “Um espumoso, por favor!” Ela, sem perder a graça no rosto, olhou para um lado, para o outro, de joelhos ocupou a poltrona vaga e, suavemente, com os dedos delgados desceu-me a braguilha.

Não sei se seria assim com você, mas eu estava com mais sangue na cabeça de baixo que na do alto já ao solicitar o serviço – cumprido com maestria, usando a boca e as duas mãos. O único porém é que tive que gozar em um silêncio violento para não acordar a freirinha que dormia na fila da frente.

É sabido, a assepsia é quase uma religião para essas senhoritas do ar – nada de migalhas no estofado ou guardanapos perdidos. Imagina se ela deixou pingar algo na calça ou naquela gravatinha vermelha de tanto esmero que usam no pescoço? Ao final, os únicos trabalhos que teve foram o de fechar minhas calças e abotoar sua blusa.

Este é o pesar que relato aqui: como posso eu resistir depois de um vôo desses? Não posso ouvir um dos aviões do Santa Genoveva para que minha rola se alarde. O pior é o preço da passagem de avião. Até comprei paliativo: uma roupinha daquelas para alguma desavisada que caia sobre meus lençóis, mas não é a mesma coisa. É tortura não saber quando voltarei a embarcar em mais uma dessas naves de pecado velado sob terninhos brancos e azuis. Já me sinto tonto de novo só de recordar.

Espera, espera, alguém viu por aí meu rolinho de papel higiênico, um já quase no fim? Sentencio: melhor é tirar leite de touro que ordenhar as hemácias dos meus pulsos. Hei de sapecar mais uma, porra!
John Howell

sábado, setembro 30, 2006

A respeito do vídeo da Cicarelli

Bem que eu tentei achar divertido, mas na hora de dobrar as cadeiras, pensei: eu poderia estar a gozar com algo superior. A boca da Cicarelli me furtou a vontade de unir as coxas em porra própria, foi a primeira modelo com quem tive maus momentos em minha saga masturbal. O vídeo do paparazzo é bom, à medida que foca pouco aquele rosto medonho. Mas punheta, eu não tive o macete.

Isso porque um grande amigo bateu uma a cada minuto do vídeo. “Você é um destemido”, disse quando soube da proeza. E repito: a Cicarelli é um monstro criado pela mídia, que nada tem de sexy, ainda que desconsiderado aquele rosto bisonho.


É o que de mais significativo posso dizer acerca do vídeo.

McCow

domingo, maio 14, 2006

Estatelado

Aqueles olhos esbugalhados carregavam a mais pura sinceridade. Não havia verdade maior que as palavras que explodiram dos pulmões socados de Joaldo Soares Ovídio, 25. O grito não cabia em seus lábios retorcidos; escapuliu tão espontaneamente que me parece que ele nem percebeu o que dizia: “Ai, meu Deus!”

As mãos algemadas para trás, os joelhos e o queixo no chão e o rosto vermelho. As artérias do pescoço estufadas, o sangue faltando vazar-lhe pelas orelhas. O jovem assaltante, enquanto dizia suas palavras, olhava para cima como se visse uma revelação no céu. O que ele sentia caído no estacionamento do 1º Ciops de Goiânia era a dor extrema emanando de suas tripas. Escorraçado como um cão pulguento entre seis pares de coturnos negros que riam sem parar, completamente fodido e humilhado. Qualquer monte de merda pisada era melhor que ele.

“Desencosta daí, se você arranhar a viatura te parto no meio”, ouviu o cabisbaixo assaltante de um dos policiais do Batalhão de Choque da PM minutos antes do trovão cortar 80 centímetros de ar e explodir em sua barriga. “Olha só, pintura novinha!”, justificou em voz alta o milico enquanto Joaldo afastava os pulsos algemados da lataria da Blazer camuflada.

O barulho foi surpreendentemente alto e seco: “Tou!”. Pensei que era a porta traseira do camburão sendo batida com violência desnecessária por um dos dez, doze militares que prenderam Joaldo e o comparsa, Wanderson Cândido Coelho, 21. Mas não; o grunhido gutural do assaltante amador causou-me confusão. “Que merda é essa?” Só quando o cabra ergueu os olhos estatelados ao firmamento percebi que a explosão era de um único e certeiro soco em seu bucho.

A estratégia deles é interessante. Joaldo em pé e os milicos em volta. Provavelmente xingam, mas sem elevar o tom de voz. Dirigem-se descontraídos ao preso a ponto dele ficar relaxado, soltar os músculos tensionados. De repente, o golpe rápido que não dá chance nem de pedir pra morrer antes. Eu pegava informações com o do mau hálito, que também parou para assistir Joaldo se contorcendo no chão. Ele tinha mais estrelas no ombro que os outros; por isso o gordinho foi lá e cochichou em seu ouvido. E que segredo!

Gordinho saiu. O do bafo abanou o indicador pra rodinha que cercava Joaldo, o assaltante já de volta à mesma posição de antes do soco: em pé, de costa para a porta traseira fechada do camburão, recebendo ordem pra olhar pro chão. Imediatamente saiu do grupo o autor do murro, lento como um armário num estacionamento de delegacia.

“Toma cuidado, se não você vai assinar”, disse o do bafo.

O cara não pensou muito: “Vou assinar é no corpo dele.” E voltou sem ser dispensado pro lado de Joaldo, o hiena rindo: “he he he he!”.

***

Joaldo transfixou com disparo de revólver 38 o estoque adiposo na barriga do cardiologista do Hospital de Urgências de Goiânia Ivon da Cunha Bastos Filho, 59, por volta de 12h15 do dia 8 de abril de 2006. Wanderson era o homem no guidão da CG Titan de placa dobrada usada na abordagem. O médico sacara R$ 1,8 mil da Caixa Econômica da Avenida Independência com a Rua 74, Centro. Vacilão, resolveu voltar caminhando solitário para casa, a 800 metros da agência. Não ficou sem a grana, mas deve ter melado.

Joaldo e Wanderson foram tão cagados de merda que os policiais que os prenderam almoçavam em restaurante a 400 metros do local em que resolveram abordar o médico. O tiro chamou a atenção dos milicos, que deixaram o frango frito no prato para abrir o apetite no meio da rua.

John Howell

domingo, abril 30, 2006

Bolso sociológico

Deus do céu, são cinco e quinze e o que me sobrou desta noite? Tenho dois bilhetes manuscritos no meu bolso sociológico, cheiro de tabaco por todo o corpo e um queimado de cigarro na mão esquerda. Vejo o reflexo de meu cabelo desgrenhado no monitor. Tenho que confessar: escrevi esta última frase antes, com esferográfica em uma folha A4, por medo de esquecê-la enquanto o computador ligava. Que bela merda de frase pra não se esquecer.

Foi mais uma daquelas noites inusitadas. Quase me esqueci. Tenho o telefone de uma mulher que nunca havia visto antes anotado em uma lauda que me serve de agenda, guardada na carteira. A letra é tremula, mas vou compreender o que escrevi.

A única coisa certa agora é que estou tão chapado que não consigo escrever direito.

***

Merda, ainda ontem vomitei a porcaria daquele sanduíche de pit-dog, os pedaços saíram diluídos na Fanta laranja. Não deveria ter ido escovar os dentes.

***

Os dentes de Sara parecem canjiquinhas. Mas os seus seios compensam qualquer falha em sua boca – que não é assim tão terrível. São volumosos, brancos e lisos, lascivos no decote, pedindo beijos suculentos. Pena que não lambi seus mamilos, que não os acolhi inteiros em minhas palmas. Ela realmente valia a pena.

Sara estava tão desejosa que tentou por tudo convencer Soraia, a mais irritante delas, a acompanhá-la em algo que em sua cabeça iminentemente estava por acontecer. As duas viajariam na manhã seguinte. Soraia não queria dormir na casa da amiga por conta da mala ainda por arrumar e vasilhas sujas na pia. “Eu sou biomédica, Sara! Imagina as bactérias se multiplicando na minha pia!” Grande merda. E se tivesse um defunto sangrando na sala! Grande merda. Devia se preocupar mais com os poucos neurônios decrépitos em sua mente piegas de estudante de biomedicina em alguma faculdade particular.

Às outras da mesa não dei atenção.

***
Os bilhetes estão aqui bem guardados dentro de um breviário de conjugação verbal. Vou revê-los agora, depois de semanas. Acho que esse tempo todo vai fazer bem para meus julgamentos.

A letra é feminina, arredondada e bonita se levarmos em consideração que ela estava bêbada. Todas elas naquela mesa de solitárias a procura de sexo já tinham se excedido na bebida. Depois descobri que era da mão de Soraia a letra. “Quem tiver solteiro levanta a mão! Isso é exclusivo p/ vcs da mesa!!!” Que bela merda de frase essa última. O que ela achou que faríamos? Sair pelo boteco lotado perguntando se alguém estava solteiro querendo mulheres sedentas que mandam bilhetes?

***

Da mesa ao lado elas provavelmente ouviram nossas conversas esdrúxulas e escatológicas regadas à cachaça e muitos copos de cerveja. “Onde foi o lugar mais estranho que você deu uma trepada?” Sobre uma mesa da faculdade, durante o intervalo. No sofá de couro de uma boate, um belo espumoso. As escadas de edifícios foram campeãs. A popularidade acabou por lhe tirar a estranheza, mas não o prazer e o perigo.

Ninguém ergueu o braço. Continuamos com as excentricidades sexuais em nossa conversa. Cinco homens decidindo o que escrever no bilhete de resposta que o garçom levaria de volta às sedentas. “Sim, estamos solteiros se vocês quiserem trepar.” “Não, isso não, porra!” “Sim, se vocês tiverem os peitos grandes!” “Não, caralho!”

Acabou que a resposta foi simples: “Exclusivamente nessa mesa, estamos todos de braços erguidos.”

Logo veio outro manuscrito. A letra é da mesma infeliz. Apenas mais bêbada que no primeiro bilhete. “Pelas ‘regras’ da boa educação, estamos abertas ao diálogo!!! Por enquanto, é isso!!!” E que tanto de exclamações; será pelo seu formato fálico? E que porra de grifo é esse em “regras”? Na verdade, estavam abertas a muito mais coisas que apenas ao diálogo.

***
Como as coisas parecem ser melhores com o álcool na cabeça! A abordagem foi feita torcendo o pescoço por cima do ombro direito. O que foi dito, nem mesmo ele soube dizer: era muito etanol no coco para se recordar de uma frase provavelmente absurda, talvez ridícula.

Me lembro de pouca coisa do que conversamos. O mito de Narciso (não sei de onde isso surgiu), internet, heavy metal. Homeopatia e urinoterapia. “Você já bebeu sua urina?”, perguntou Soraia. “Não. O máximo que fiz foi mijar no meu próprio pé enquanto tomava banho.”
***

Sara queria por tudo uma aventura que acabou não acontecendo por conta de Soraia, que negou fogo. Pelas conversas, havia acabado de tomar de um homem um pé nos fundilhos, que agora ansiavam por uma saborosa e quente chinelagem.

Já sem o álcool na cabeça, depois de semanas, depois de raciocinar, não as encararíamos. Só Sara – essa todos os cinco ainda desejam.
John Howell

quarta-feira, março 15, 2006

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